Sustentabilidade

A culpa pela má alimentação não é (só) sua

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Todo mundo sabe que a saúde depende de boa alimentação. E mais: várias doenças estão associadas diretamente à má alimentação. O mais comum é que se atribua a dieta insalubre a uma atitude individual que privilegia maus hábitos alimentares e até fraqueza moral diante da exigência de uma dieta mais saudável. Ou seja, a culpa pela má alimentação não é (só) sua.

Não se pode tratar a questão da dieta de forma individualizada. Não se pode culpar o cidadão pela obesidade ou por doenças que tenham a má alimentação entre suas causas. Na verdade a dimensão do problema alimentar vai muito além de nossas escolhas individuais e ganha proporções sociais e políticas.

Dificuldades diárias

É claro que nossa consciência e atitude são indispensáveis, mas há que se considerar que nossos hábitos alimentares são permanentemente pressionados e condicionados pela indústria alimentícia. Um, exemplo bem básico: em quantos estabelecimentos – bares, restaurantes e lanchonetes – você tem disponível um suco de fruta natural de verdade, extraído da fruta para o copo? É cada vez mais difícil!

Oferta de ultraprocessados é ilimitada. (Photo by Haley Owens on Unsplash)

Sucos e chás, por exemplo, que podem ser produzidos com extrema facilidade de forma natural, nos são oferecidos majoritariamente em embalagens. Nelas há rótulos que descrevem dezenas de nomes impronunciáveis de substâncias químicas que permitem que os produtos sejam estocados por longos períodos e, na maioria das vezes, viaja milhares de quilômetros a partir das fábricas.

Mas não são só os sucos. As conservas em geral, os congelados, os embutidos, os biscoitos e pães industriais também são processados a ponto de serem mais produto químico do que um alimento propriamente dito. Por isto surgiu a expressão “comida de verdade”, para diferenciar o que é feito com ingredientes in natura, dos ultraprocessados.

A indústria da alimentação nos vende supostas facilidades a um custo enorme: a saúde.

Agrotóxicos demais!

Tudo começa num modelo de agricultura baseado em monocultura, agrotóxicos e transgênicos. Das imensas lavouras de soja e milho, por exemplo vão sair espessantes, texturizantes que vão estar presentes na maioria das conservas, incluindo molhos de tomates, presuntos, salsichas, biscoitos, pães e quase tudo que vem dentro de uma embalagem. Uma infinidade de produtos!

OUÇA NOSSO PODCAST SOBRE ROTULAGEM DE ALIMENTOS

Política alimentar

É claro que há algo muito errado na política alimentar praticada pelas principais economias do mundo. Dez por cento da população da Terra passa fome. São 820 milhões de pessoas que não têm acesso aos limites mínimos de nutrição estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde. A mesma OMS identifica a obesidade como o maior problema mundial de saúde pública e estima que em 2025 haja 700 milhões de obesos (mais que três vezes a população do Brasil).

Culpar cada um, cada pessoa individualmente, por estes números é fechar os olhos para o problema real. O modelo de produção agrícola voltado para a industrialização está errado, mas ele sustenta e é sustentado por interesses econômicos gigantescos que se abrigam atrás de poucas marcas que se desdobram em quase tudo que se encontra nas prateleiras de supermercados. Grandes corporações multinacionais (com suas marcas locais) que nos assediam com os ultraprocessados.

LEIA A COLUNA DE GUILHERME CASSEL SOBRE A FOME NO MUNDO

Questão de gosto

Até o nosso paladar é manipulado pela indústria. Os componentes químicos habituam e condicionam o paladar. Composições estudadas para sensibilizar nosso sentidos nos fazem achar que o “gostoso” é o que vem no pacote. Assim nos acostumamos ao “sabor” dos ultraprocessados que tentam imitar os sabores naturais. Mas, na verdade e tristemente, acabamos por  esquecer o verdadeiro sabor de um suco verdadeiramente natural, por exemplo. Sal e açúcar são adicionados a praticamente tudo para alegrar o paladar.

Tudo para movimentar uma indústria global bilionária baseada na agricultura e pecuária extensivas, o chamado agronegócio que é a base da indústria alimentícia.

A verdade é que o agronegócio não produz alimentos, mas ingredientes para a indústria alimentícia, e para isto precisam otimizar as produções com uso de agrotóxicos e transgênicos (os geneticamente modificados), para gerar volume e lucro.

Agricultura familiar

Agricultura familiar resiste.

A comida de verdade, no entanto, não é produzida nas grandes lavouras. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, 70% da comida que vai para a mesa é produzida pela agricultura familiar. São os pequenos produtores que plantam verduras, hortaliças, frutas e produtos alimentares artesanais. A “comida de verdade” recomendada para as boas dietas.

São os pequenos que hoje produzem os orgânicos, que nada mais são do que alimentos sem agrotóxicos e aditivos químicos.

Difunde-se que comer produtos orgânicos é mais caro. Esta é uma “verdade” que precisa de muitos esclarecimentos. Primeiro, precisamos saber que todos as isenções fiscais e facilidades que nos últimos tempos foram dados ao agronegócio não se estendem à agricultura familiar. O fato é que  o pequeno produtor paga mais para plantar e está mais vulnerável também. Outro fator que aumenta o preço do produto é o atravessador. A solução encontrada, e oferecida cada vez mais,  são as feiras e pequenos comércios que oferecem produtos diretamente dos produtores. Nestas feiras o produto não é mais caro. Ao contrário, na maioria das vezes é até mais barato. Infelizmente isso não alcança toda a população. E são, na maioria das vezes, os mais empobrecidos que acabam se alimentando pior.

Para a população com mais acesso, além das feiras e comércio direto com o produtor, também podem contar com as grandes redes, que começam a perceber que há mercado para produtos orgânicos e buscam disponibilizá-los por preços mais justos. Mas é claro que sempre vai haver pressão da indústria para manter seu domínio.

OUÇA NOSSO PODCAST SOBRE ALIMENTO, CIÊNCIA E AGRICULTURA FAMILIAR

Hábitos de compra

Produção orgânica é mais saudável.

Podemos dizer que a mudança do hábito alimentar começa pela mudança dos hábitos de compras. Procure conhecer a origem do que você compra. Privilegie quem produz perto de você, prefira a feira ao supermercado. Você verá que os orgânicos são mais gostosos, tem mais sabor. É como desintoxicar o paladar e abrir caminho para uma dieta melhor que vai lhe dar mais prazer.

Antes de se culpar por não conseguir seguir a tabela de calorias diárias, procure mudar seu hábito de consumo de gêneros alimentícios. Você vai mudar, seu gosto, seu hábito e, por exagerado que pareça, ajudar a mudar o mundo.

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