Cultura gastronômica

O que podemos aprender com a quarentena?

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Nosso site é basicamente de receitas, tem um público de privilegiados que, como nós, pode escolher o que comer, selecionar ingredientes e fazer da sua dieta um estilo de vida. Sabemos bem que esta não é a realidade da maioria dos brasileiros, que mal tem acesso a arroz e feijão, quanto mais a damascos e gorgonzola. Mas afinal, o que podemos aprender com a quarentena?

Nós levamos a quarentena muito a sério e escrevemos este post nas vésperas de completarmos 10 semanas de reclusão. Nossa opção é extrema: abastecimento online para alimentos, remédios, materiais de limpeza e, claro, bens de consumo (precisamos substituir uma chaleira elétrica depois de um acidente).

Compreendemos que, junto com a crise sanitária, vem uma crise econômica e social. E esta percepção nos levou a opções que vão além do operacional. Estamos comprando preferencialmente de pequenos comerciantes e produtores rurais, que certamente vão sentir com mais força o impacto econômico.

Consumo racional

Aprendemos a ser mais racionais e econômicos no consumo de comida, planejar melhor o cardápio e o ritmo de consumo dos ingredientes que usamos. Nada de novo, mas descobrimos que podemos gastar menos, evitar desperdício. Nosso congelador está bem abastecido de carnes porcionadas, cortadas e empacotadas projetando cardápios.

Nossa estratégia de compras envolve:

Planejamento é tudo

Nosso planejamento começa com o mapeamento do que gostamos e do que queremos comer. Aí entram receitas desejadas, vontades e até desafios de pratos nunca feitos. Depois transformamos isso em lista de ingredientes e, finalmente em cardápios. Assim podemos fazer listas de compras racionais, com cada coisa previamente destinada.

O resultado é uma sensação de tranquilidade por estar abastecido, a manutenção da qualidade da alimentação e um consumo mais responsável da comida, sem desperdícios. Na prática deixamos de comprar coisinhas que consumimos nas “passadinhas” no super, e que às vezes acabam não sendo bem utilizadas. Gastamos menos sem comprometer nossa qualidade de vida.

Na quarentena, mais do que nunca, tudo se transforma na cozinha. Não sobra nada, nada vai fora. Carne assada vira sanduíche, os vegetais são consumidos até o último talo. Tudo é melhor aproveitado. E sem climão de fim do mundo ou restrição na qualidade.

É verdade que nosso conhecimento e prática na cozinha facilitam muito este caminho. Mas temos dado apoio a vários amigos que se apertam na cozinha e pedem socorro para sobreviver entre as penelas. Ajudamos como podemos. Já fizemos até jantar online.

E assim podemos tocar nossa vida com saúde. Temos o privilégio de um apartamento espaçoso para duas pessoas, com espaço adequado para trabalhar, cozinhar e descansar. Repetimos: somos privilegiados, especialmente porque até aqui conseguimos manter boa parte de nossa renda regular.

Por nós, por todos

Assim temos energia e saúde física e mental para resistir. Só não conseguimos contornar a tristeza pelos que não têm as mesmas possibilidades materiais que temos. Aqueles que não ficam em casa porque não têm teto; aqueles que foram empurrados para a rua pela falta de apoio do Estado; aqueles que já não tinham emprego e viram o céu escurecer mais ainda. É terrível saber que, como fala claramente o economista Prof. Ladislau Dowbor :”não somos sociedades pobres, somos sociedades mal governadas…”. Isso nos permite pensar  que a crise desvela que o sistema pode funcionar de outra maneira. Acreditamos que esta sociedade, onde o dinheiro está concentrado nas mãos de meia dúzia de milionários que só consideram o lucro acima de tudo, é que precisa mudar. Não é possível não haver nenhum constrangimento diante de um mundo onde oitocentos e cinquenta milhões de pessoas passam fome. Assegurar o mínimo às pessoas é uma questão de decência humana e não de partidarismo.

Sentimos falta de passear ao ar livre, de pedalar, de nadar. Mas sabemos que, tendo o privilégio que temos, não faz sentido se lamentar ou andar “lá fora” para se arriscar e arriscar a saúde alheia. Ficamos em casa por opção de consciência e não somos melhores do que ninguém por isto. Mentira: somos melhores que os negacionistas.

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