A pergunta do título pode parecer simplória à primeira vista, mas, na verdade, ela é definidora de um conjunto de escolhas que precisamos fazer. Muito se conversa sobre alimentação saudável, sustentabilidade ambiental, segurança alimentar e nutricional, produção orgânica e valorização da Agricultura Familiar e camponesa, no entanto, se prestarmos bem atenção, se analisarmos de maneira objetiva os caminhos que o rural brasileiro tem tomado, podemos concluir que estamos trilhando o caminho oposto. Em outras palavras: muita conversa e pouca atitude. O discreto charme das iniciativas de produção orgânica ou os esforços de constituir circuitos curtos de comércio de alimentos saudáveis se revelam em toda a sua fragilidade quando contrastados com o enorme avanço do latifúndio no país, o desmatamento descontrolado e a utilização cada vez maior de agrotóxicos nas lavouras.
Voltando à pergunta do título, ao fim e ao cabo, é a ela que precisamos responder. Queremos para o Brasil um meio rural com gente ou um meio rural sem gente? A resposta parece simples, mas as consequências dela não são. Vamos por partes, buscando o significado real de cada uma das opções.
Um rural sem gente é perfeitamente possível e, na prática, gostando ou não, é para onde estamos caminhando em nosso país. Por aqui, a hegemonia tem sido do latifúndio, dos grandes e/ou das grandes empresas produtoras de grãos, da monocultura (a soja é o melhor exemplo), do uso descontrolado de agrotóxicos e da mecanização intensiva. A concentração fundiária vem aumentando, as pequenas propriedades diminuindo e os jovens abandonando o campo.
Os dados do Censo Agropecuário do IBGE – 2017 falam por si: nos últimos 11 anos a área agricultável no Brasil cresceu 16,5 milhões de hectares ( 5%); os estabelecimentos com mais de 1.000 ha cresceram tanto em número (+ 3.287) como em extensão (+16,3 milhões de ha); os estabelecimentos entre 100 e 1000 ha perderam 814.574 ha, 4.152 unidades a menos. Mais ainda: em 11 anos caiu em 1,5 milhão o número de pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários e a média de pessoas ocupadas por estabelecimento caiu de 3,2 para 3 pessoas, enquanto isso, o número de tratores cresceu 49,7% no mesmo período.
Outra informação importante diz respeito à faixa etária dos que vivem e trabalham no meio rural: o grupo de menores de 25 anos caiu de 3,30% para 2,03% sua participação; o grupo entre 25 e 35 anos caiu de 13,56% para 9,49% e o grupo entre 35 e 45 anos caiu de 21,93% para 18,29%. De outro lado, os mais velhos aumentaram sua fatia: o grupo de 45 a 55 anos cresceu de 23,34% para 24,77%; o grupo de 55 a 65 anos cresceu de 20,35% para 24,01% e a faixa etária com mais de 65 anos passou de 17,52% para 21,41%.
Os dados do Censo mostram uma realidade objetiva: estamos caminhando para um meio rural sem gente, com muitas máquinas, monocultura e agrotóxicos. Mas alguém cheio de boas intenções pode argumentar que, do ponto de vista econômico, este modelo de produção tem gerado enormes ganhos financeiros para o país, sendo fundamental para a nossa balança de pagamentos. É verdade e é esta “força econômica” que tem impulsionado e determinado a dinâmica no meio rural brasileiro na atualidade.
Já um meio rural com gente pressupõe uma outra hegemonia e um outro modelo de produção. Significa a valorização da Agricultura Familiar e Camponesa e a adoção de um modelo produtivo fundado na sustentabilidade ambiental e na produção diversificada de alimentos saudáveis voltados para a Segurança Alimentar e Nutricional da nossa população. Significa o fim do êxodo rural e da pressão sobre os grandes centros urbanos.
É preciso nunca esquecer que mesmo sem os estímulos necessários é a Agricultura Familiar e Camponesa que produz mais de 70% dos alimentos que consumimos no nosso dia-a-dia. Ela produz para a nossa Segurança Alimentar e Nutricional, possui historicamente uma relação mais adequada com o meio ambiente, utiliza mais mão-de-obra e produz com menor dependência de agrotóxicos.
Parece fácil respondermos que preferimos um meio rural com gente no futuro; com gente produzindo alimentos, fazendo comércio justo e garantindo sustentabilidade ambiental. Então, por que o país segue caminhando a passos largos em sentido oposto? Não seria adequado pensarmos num ambiente produtivo de convivência entre os dois modelos vigentes, de forma a preservar os ganhos financeiros na balança de pagamentos e a produção sustentável de alimentos? Os grandes produtores de commodities e os Agricultores Familiares não podem conviver em harmonia, tendo em vista a enorme extensão do território brasileiro? Em princípio, sim, mas só em princípio. Os problemas para esta convivência, entretanto, são enormes e de difícil resolução. O primeiro deles é a natureza da monocultura. Quem produz commodities (soja, por exemplo) irá sempre precisar expandir a sua produção para obter maior lucratividade e fazer frente aos custos de produção. Esta expansão se dará, sempre, ou tomando terra da Agricultura Familiar e Campesina ou com a expansão da fronteira agrícola pela via do desmatamento. Esta é a natureza do chamado agronegócio e não há como fugir dela. Então, como impedir que o latifúndio siga crescendo às custas das propriedades da Agricultura Familiar e Camponesa e/ou do desmatamento? Só existe uma solução: estabelecer em Lei um limite para o tamanho das propriedades rurais no Brasil. Este é o tamanho do problema. Um meio rural com gente, com produção diversificada, mais justo e ambientalmente sustentável só se concretizará quando enfrentarmos o problema de fundo, a fonte da concentração fundiária. Por fim, escolher um RURAL COM GENTE é fácil, mas implementá-lo vai exigir muita luta.
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