Passas até na Cerveja

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As festas de dezembro trazem consigo um controverso espírito de renovação que se repete todo ano. Essa mistura de solstício com religiosidade, ritualismo de calendário e segunda parcela do décimo terceiro causa uma enxurrada de promessas empolgantes com poucas chances de serem cumpridas. Você sabe: a vida imita a política.

O bom do calendário, assim como da democracia, é que sempre tem um novo dezembro por chegar.

Essa é uma época que promove ainda outro sentimento controverso, um tipo de desapego compensatório. Rola um desprendimento emocional e orçamentário para distribuir abraços e presentes, com aquela ponta de ansiedade para saber o que também vai ganhar e de quem. Você sabe: a vida imita o mercado.

Também se desencava nesta fase do ano um repertório medonho de piadas ruins. E digito isso com os dedos tremendo, numa coluna sob altíssimo risco de trocadilhos! Jesus, o aniversariante mais famoso do mês, certa vez disse para algum reacionário da Israel de dois mil anos atrás: “tira a trave do teu olho antes de falar do cisco no olho do outro”. Jesus é um cara legal.

O fato é que, em todo dezembro, múltiplos eventos causam um repetitivo efeito catártico que, tal qual em Magnólia e no Antigo Testamento, convergem numa perturbadora e surreal chuva de passas. Afinal, você sabe: a vida imita a arte, seja americana ou hebraica – tá, as chuvas eram de sapos, mas adaptei o roteiro para passas.

As pessoas começam a colocar passas em tudo. Usam mais passas que orégano. Assim, a culinária de fim de ano ganha, mais que um cardápio, um caráter bem específico, em que o doce das passas se mistura com outros doces, com salgados, com azedos, com defumados, com o que for. Inclusive, se você estiver meio sem inspiração para as ceias dos próximos dias, clica aqui, pois o Cozinha a Dois fez uma seleção caprichada de receitas para as refeições natalinas.

Confesso que, poucos dezembros atrás, ainda me encontrava na turma que fica horrorizada com essa pororoca de passas. Por mais de três décadas odiei frutas secas, cristalizadas, enxuringadas. Porém, mais uma vez, a cerveja mudou a minha vida – você sabe: em dezembro, todo mundo fica mais dramático.

passas cerveja natal
Foto: Shutterstock

Mas é impressionante a quantidade de estilos cervejeiros que remetem a esse tipo de aroma e sabor. Aí a curiosidade fala alto e o boca-mole começa a experimentar tâmara com cerveja. Depois, evolui para figo cristalizado com queijo e cerveja. Então, descobre que perdeu mais de três décadas de tempo.

Isso quer dizer que o cervejeiro tem que jogar uva-passa na cerveja? “Tem que” não é legal, mas, se quiser, pode, a não ser um cervejeiro fiel à Reinheitsgebot, a Lei de Pureza Alemã. Isento disso, por que não? Nunca fiz, mas deve ficar legal. Em tempos remotos da história da humanidade, quando os anos eram contados de trás para a frente, adicionar esses frutos ao mosto era uma forma de agilizar a fermentação.

O que acontece é que sabores e aromas como passas surgem ou se sobressaem em função de diferentes fatores do processo de produção da cerveja, como a seleção de maltes, a fermentação ou a maturação. Por exemplo, cervejas escuras belgas, especialmente com um grau alcoólico elevado, muitas vezes trazem um pomar etílico e gaseificado para você experimentar. Cervejas avermelhadas de outras escolas também podem promover tais sensações. Aí, minha amiga, meu amigo, essas cervejas vão reidratar todas as frutas secas que o ano velho tiver posto na sua mesa.

Até 2020!

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