País afora, temos expressões da língua falada que, retiradas do contexto regional, não fazem o menor sentido lógico na frase. Poderiam ser prontamente dispensadas.
Na boa, dane-se a lógica. Que sentido faria qualquer resposta paraense sem um “égua!”? Que força teria um argumento paulistano sem começar ou terminar com “meu!”? E é bem assim que se dá toda explicação no litoral catarinense, “não tem?!”.
– Onde tem uma farmácia aqui perto, querido?
– Ô, amigo, tem uma quebrando aquela esquina às esquerdas, não tem?!
Tem, é claro. Mas toda explicação precisa ter um “não tem?!” pra ser completa.
Outra coisa que sempre tem que ter no litoral catarinense é tainha no inverno. Por aqui, inverno sem tainha é tão incompleto quanto explicação sem “não tem?!”. Aí, lá fui eu procurar receita com tainha no Cozinha a Dois pra linkar na coluna e… NÃO TEM?!
Pois é isso mesmo, amigos. Denúncia! Quase dez anos de Cozinha a Dois e nenhuma receita com tainha.
Não tenho a mínima ideia de como é que a Dona Soninha e o Seu Gastão vão justificar essa falta de decoro, mas eu tinha que me virar. E aí tem a Carin, não tem?! Fomos ao Paraná comemorar o aniversário do pai dela e, a pedido da minha sogra, levamos algumas tainhas. Eu preparei, ela registrou.
Provavelmente ainda antes de este inverno acabar, Gastão e Soninha trarão ao blog alguma tainha ultraelaborada, de modo a enquadrar este humilde escriba metido a churrasqueiro e sua esposa metida a fotógrafa. Enquanto isso não acontece, meu querido, vais ter de ficar com as nossas, não tem?!
Preparei três: uma fechada e só no sal e limão caipira, outra fechada e com adendo de alecrim e hortelã, a última escalada (aberta), com manjericão.
Duas coisas relevantes aqui:
Tainha é um peixe de gosto forte. Por isso, é usual temperá-lo de leve, com parcimônia. De todo modo, vale a pena fazer de dois a três pequenos cortes transversais no dorso da tainha e, com as costas da faca, empurrar com alguma força essa parte do peixe, no sentido do rabo para a cabeça. Isso fará sair, pelos cortes, uma glândula amarela não muito apetitosa… Tirando bem essa glândula, dá pra amenizar, e muito!, o gostão.
Tainha é um peixe gordo. Logo, delicioso. Por essas e outras é que essa gente espera o ano inteiro pra comer tainha, não tem?!
E é com base nisso que faço minha sugestão de harmonização. Witbier.
Witbier é uma cerveja típica da Bélgica. Ela é dourada, turva e tem uma espuma branca bastante cremosa. O fermento belga já produz alguns aspectos condimentados (cominho, cravo, pimenta-do-reino) e o trigo, que integra a composição de grãos da receita, traz uma leve acidez. Além disso, geralmente se acrescentam semente de coentro e casca de laranja (às vezes, de limão siciliano ou outra lima ou fruta cítrica, isso aí depende da criatividade do cervejeiro, não tem?!).
Sacasse, ô estimado? A cerveja praticamente ajuda a temperar o peixe.
Outro detalhe da Witbier é que ela é bastante gaseificada, o que dá uma boa aliviada na carga de gordura da tainha.
Então, antes de o inverno acabar, vá atrás de uma tainha, mas não se esqueça de levar uma Witbier, não tem?!
Nota envergonhada dos editores do blog:
Poderíamos argumentar que a tainha tem cheiro forte, o que dificulta a preparação em apartamento sem envolver compulsoriamente toda a vizinhança, além de conviver com a memória olfativa do peixe por alguns dias. Mas na verdade não tem como explicar falha tão grave, praticamente uma negligência cultural.
O que podemos fazer para nos redimir, senão correr para o mercado e explorar as peixarias antes que o inverno acabe? Claro, fazer a tainha e chamar o Adriano e a Carin para testemunhar o desagravo!
Ah, para amenizar a falta, tem um post com o mais típico Banquete Manezinho, a indefectível composição de arroz, feijão. e peixe frito.
Huahuahua, muito boa essa! Não tem?!
Dias atrás estive em Santa Catarina e fui de tainha assada, acompanhei com uma American Lager e até que foi bem, mas agora, com essa dica da harmonização com Witbier, terei que fazer outra, não tem?!
Oi, Anderson. Depois nos conte como ficou. Abs!
Olá! Hoje que acabei lendo sua mensagem, legal, devo descer novamente para Santa Catarina durante este mês e daí pretendo saborear uma Tainha acompanhada da Witbier, depois eu conto aqui como ficou, pode deixar. Abraços!
Hum, esta tainha assada na churrasqueira deu água na boca. Bora experimentar esta harmonização com a Witbier.
ah… mazá esse manezinho paranaense fazendo tainha na brasa… a minha preferida é a escalada, com limão caipira/galego/cravo (são 3 diferentes mas bem iguais) e agora será com Witbier, até agora era com pilsener ou lager… mas nada como aprender com o amigo… valeu mô quirido!!!