Meu café espresso perfeito tem que ter sabor e alegria

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Meu café espresso perfeito tem que ter sabor e alegria

O gosto pelo café é fenômeno mundial. Desde que se espalhou do mundo árabe para o resto do globo arrebatou paladares, se fez acontecimento cultural e social, criou hábitos, negócios e mercados; inspirou artistas e se instalou como preferência em muitos lugares. No Brasil, além de encontrar solo e clima próprios para produção de qualidade, conquistou apreciadores em todas as classes sociais, tornando-se uma bebida constituidora da própria identidade nacional. Café do Brasil é marca forte.

Pesquisas[1] mostram que 93% do café consumido no Brasil é coado e bebido pela manhã. Da mesma forma que se espalhou pelos balcões como o tradicional “cafezinho” agregador de amigos, embalador de conversas e convívio. Mas, dos anos 90 para cá, o café também caiu na onda gourmet, e muita gente descobriu que havia muito mais coisas além da garrafa térmica do escritório. Os balcões de botequins deram lugar a cafeterias mais chiques, e o espresso (que se escreve mesmo com “s”, porque vem do italiano), ou o “café de máquina”, surgiu como uma novidade instigadora.

O livro já mencionado nos conta que há no café “1.500 substâncias químicas – umas 800 voláteis e outras 700 solúveis”. Segundo o autor, já se sabe que 13 variáveis físico-químicas influem no seu preparo. Bom, estes números são o bastante para percebermos que temos uma bebida complexa e cheia de coisas a desvendar.

Junto com a moda do espresso vieram os maneirismos e um vocabulário próprio, capaz de rivalizar com o dos enólogos e eno-chatos de plantão. Porque há no café, mesmo, as complexidades que se pode encontrar nos vinhos, as sutilezas e as surpresas para os paladares mais apurados.

O repertório sobre o bom café envolve conversa sobre a procedência dos grãos, características de solo e altitude, níveis de torras, formas de preparo e por aí afora. Não falta assunto para quem quer conhecer a sério o café, ou para quem quer apenas fazer caras e bocas diante da xícara, mostrando-se por dentro da moda e do tema.

O café abriu um enorme e novo mercado, não apenas de café em si, mas de máquinas, acessórios e artigos de consumo em seu entorno. Muitas tecnologias, desde o velho saco coador até as sofisticadas máquinas de cápsulas, se desdobram para extrair o melhor do café. Há os métodos franceses, italianos e tantos outros de extrair o sabor dos grãos em forma de bebida. Seria tedioso discorrer sobre eles.

O meu café

Indo ao que interessa, vamos falar do prazer de tomar café. Ele é revigorante, estimulante, saboroso. “Café salva” se diz quando só ele é capaz de devolver o ânimo diante das tarefas do cotidiano que desafiam nossa inércia eventual. Uma xícara é capaz de recolocar o sujeito no prumo e na produtividade.

Prefiro sempre o espresso. A bibliografia diz que o café tirado desta forma é o que concentra o maior sabor, mas curiosamente dispõem menos cafeína. Considerado “café forte” o espresso é mais forte no paladar do que como estimulante. BRESSANI (2011) diz que “o método do café espresso é o que melhor preserva as características da matéria-prima, pois possibilita a extração dos óleos aromáticos e de outras substâncias. A crema pode indicar se um espresso é bom ou ruim, sem nem mesmo ser necessário prová-lo”.

E se gosto de um bom café, claro que fui atrás de uma máquina para produzir meu próprio café em casa. Como trabalho em home office, usufruo do privilégio de fazer uma pausa para “tirar” um café e sorvê-lo sem pressa, ao meu gosto. Minha máquina é uma semiprofissional, manual, italiana, com “cachimbo” (porta filtro); tenho também um moedor. Gosto de buscar o ponto exato entre o grau de moagem (granulometria, para quem gosta de falar difícil) e as características de cada grão. Cada um tem seu jeito de ser feito, e encontra-lo é uma diversão para mim. Assim como experimentar grãos das mais diversas procedências e características. Virou um hobby, digamos assim.

O espresso perfeito

Claro que quando a gente vai entendendo um pouco do assunto vai ficando meio chato. A primeira coisa que aprendi é observar a crema do espresso. Ela é muito mais do que a “espuminha” que vem por cima. “Visualmente a crema correta de um espresso deve ser cor de avelã, marrom-escuro e com reflexos avermelhados”, conta BRESSANI. O ideal é que seja densa e lisa, com dois a quatro milímetros de espessura. Tudo isso para que ela cumpra as suas duas funções: preservar o aroma e a temperatura.

Variáveis como a espessura do pó (moagem), temperatura da água e tempo de extração do café definem a qualidade da crema e, de resto, o grau de excelência do café servido. Uma crema que apresente demasiada cor de cobre, como queimada, é sinal, por exemplo, de café tirado com água muito quente, que acentua a adstringência e resulta num café mais amargo. Pode-se deduzir isto sem tomar um gole de café. Chatice?

Em termos práticos, temos que ficar de olho na crema, aprender a valorizá-la como indicador da qualidade do que nos servem.

Uma dose de espresso deve ter cerca de 25 ml. Isso é cerca de meia xícara. Então não pense que o barista está enganando você servindo só a metade do que você está pagando. Ele está, na verdade, servindo o melhor para quem quer saborear e não para quem busca uma overdose de cafeína. A quantidade de café usada deve ser de 7g e o tempo de extração não pode passar de 25 segundos. A temperatura da água deve estar em torno de 90ºC , mais do que isso vai comprometer o sabor, queimando ácidos graxos indispensáveis ao sabor desejado (vai acentuar demais a adstringência e resultar num gosto amargo persistente).

Outra coisa é prestar atenção na compactação do café no porta filtro. Aquela “prensadinha” que o pessoal dá no pó. Boa parte da qualidade da bebida depende daquele gesto aparentemente banal. A boa compactação tem tudo a ver com o processo de extração por um método baseado na pressão do vapor que atravessa o bolo de pó moído. As boas máquinas devem ter pressão de vapor de pelo menos 15 bars. A pressão feita sobre o pó no porta filtro deve ser de cerca de 15 quilos, para que o bolo seja compacto, apresente resistência para que a água não passe com demasiada facilidade, causando uma superextração.

Aquele instrumento que se usa para pressionar o café se chama tamper e faz toda a diferença para atividade do barista. O que veio com a minha máquina era desprezível, de plástico, incapaz de cumprir a sua função a contento. Então ganhei o meu próprio, feito sob medida. O presente que ganhei da Soninha pesa 280g de puro aço inox e mudou profundamente a qualidade do café aqui de casa.

Prazer e alegria

Toda esta conversa técnica não é exibicionismo. A ideia é mostrar que há mais coisas entre nosso paladar e a xícara do que imagina nossa vã filosofia. Ninguém precisa entender de altitudes, cepas de grãos, granulometria, pressão, etc. Não pode haver fundamentalismo em nada. Eu prefiro o espresso, há quem prefira o bom café coado em saco de pano; tem quem se delicie com o café das máquinas automáticas e suas capsulas industrializadas. Tudo está valendo se a meta é sorver o sabor, curtir o café, recompor as energias, recuperar o ânimo.

Há muita coisa numa xícara que vale a pena, se a alma não for pequena.

[1] BRESSANI, Edgard.  Guia do Barista – Da origem do café ao espresso perfeito. Café Editora, 2011. São Paulo.

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